terça-feira, 10 de agosto de 2010

Sinclair


O cheiro da infância. Tudo que remete a esse tempo é doce! Lembramos das balas, cheiro de bolacha amanteigada, pasta de dente de tutti-frutti. Nascemos com um dom, apreciar cada aroma que o mundo carrega no ventre, perceber como carregamos mais memórias desse sentido do que podemos expressar.
Desde o início associamos os cheiros aos signos das nossas vidas. Sua mãe jamais exalará tamanho perfume que penetra nos meus poros como o de minha mãe. Se fecho meus olhos, consigo senti-lo, como se banhassem cada fração do espaço ao meu redor da mais concentrada fragrância materna, o cheiro do amor materno. Eis aqui o primeiro cheiro da vida!
Devemos a esse aroma primordial, a base do nosso perfume da existência, a primeira gota do frasco. Grande frasco que aguarda gotas vivas e coloridas. Às vezes nem tão coloridas assim. Outras vezes elas fedem, a podridão ou mofo, ou exalam angústias e devaneios de uma mente perturbada e sem anseios ou desejos em contribuir com menos de um respingo. Às vezes são lágrimas que transbordam pelo vidro, lavando e levando partículas de odores passados, que se perdem pelo ar rarefeito, de etérea fixação.
Mas ele fica. Acordo e sinto impregnado no meu corpo todo o frasco, jogado desde minha nuca até meus dedos, ou como se bebesse todo ele de gota em gota, e dessa maneira não somente o cheiro, mas, o sabor esquecido voltasse a pertencer-me. Recordo as balas, os amores, os desejos, as tristezas e fraquezas. Esse é meu cheiro! Do passado entregue e resignado só me resta a primeira gota. De amor, ódio, dor e prazer criei meu eu mais interior do que minha carne e meus ossos e marquei na alma aquilo de mais singular, preciso e pessoal que se deseja perpetuar.
Meu próprio cheiro!

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